Como arcano da lunação, impossível não pensar nele e ver onde ele aparece... E tenho buscado muitas formas de percebi-lo, porque, de tudo, o diabo em si, não deixa de ser uma figura mitológica para mim. Talvez algo que não fez parte da minha criação. Eu não tinha, não tenho medo dele. Compreendo a sua natureza, como arquétipo e não como entidade.
Vendo ao filme "Bebê de Rosemary" - sim, eu sei, 59 anos atrasada - fiquei impressionada como tudo rola em torno desse arquétipo. Aliás, imagino que para quem seja cristão e talvez mesmo ache que vá haver um anti-cristo físico, deve ter sido bem perturbador. Mas, pensando na coisa toda como uma alegoria, algumas coisas me chamaram muito a atenção:
A tentação: a vontade de fazer as coisas acontecerem no plano físico, de se aproveitar dele é o que a tentação é. E se a possibilidade de fazer isso acontecer em detrimento de todo um resto? A tentação é a filha do desejo. Quantas vezes o desejo e a vontade se cruzam, se amam e se afastam... A vontade conhece o reto? O desejo conhece o torto e o mal escrito?
O sentimento de encarceramento: Rosemary, na história, se engendrou em uma situação na qual não parecia ter saída. E desistiu. Penso que é como estar afogando-se e tomar pequenas lufadas de ar, afundar novamente. Nisso tudo, eu penso na frustração de ver movimentos tolidos. E quando é o ponto de simplesmente, ir com a maré?
O sofrimento: Dor. E o quanto do conflito interno acaba se jogando dentro do corpo e fazendo com que ele sofra? Tantas confusões, tantas possibilidades que deixam a cabeça perdida... E como dizia minha avó, quando a cabeça não pensa, o corpo padece...
As decisões difíceis: seguir crenças? Abrir mão delas para o novo? Deixar-se ser a mãe daquilo que uma maioria teme ou despreza? O dilema... essa é a escolha do Diabo.
Eu penso que talvez todas essas coisas estejam amarradas em si mesmas e que refletem mesmo o que é andar no escuro de dentro de cada um de nós. E que muitas vezes partimos de um sentimento de achar que estamos em algum controle - sentimento até que pode ser alimentado pelo tal do livre-arbítrio. Que não é uma coisa de todo mal, se for levado de uma forma sutil, ou seja, eu sou responsável pelas minhas escolhas,
não as alheias. Quem sabe isso tudo não seja misturado com o fato de que seres humanos vivem em comunidade. E pensamos individualmente. Não acho que existe uma forma de controlar os outros... Claro que alguns podem se deixar levar, ou até, estar inserido em um contexto tão grande que formas de controle se exerçam. O lance, penso eu, é que a cabeça é livre. O pensamento pode ir para onde quiser e, por vezes, nem sobre as nossas indagações temos muito controle.
Ando bastante inquisitiva ultimamente. E talvez não exista uma forma humana ou organizada de, de fato, compreender o mundo no qual estamos inseridos como um todo. São muitos pensamentos soltos, não no sentido de estarem perdidos, mas de estarem acontecendo e muitas formas de percepção do que acontece.
Fico pensando o quanto é importante estabelecermos um mundo no qual estamos, uma consciência física para dar o mínimo de significado para a realidade que se apresenta. Não temos como controlar o mundo. O corpo pode estar preso na matéria, mas o pensamento, tão leve e tão presente, esse anda para onde quiser. A mente se prende? Se encarcera? Sem dúvida... o que podemos fazer para que se liberte?
Ouvi num treinamento de professores que as melhores perguntas são aquelas que não tem respostas. Tenho feito algumas. Será que o Diabo não mora nessa confusão de pontos de interrogação? Ou eles estão aí para fazer com que olhemos para além dos grilhões que nos seguram?
Estão vendo? Quantos pontos de interrogação têm este texto? Que tal mais um?
Pietra